Entrevista com Gloria Pires sobre Flores Raras
FABIO BRISOLLA
DO RIO
DO RIO
A atriz Gloria Pires sinaliza pedindo um minuto, enquanto termina de falar ao celular. "Também acho que estaria muito bem representado", responde ela, enquanto agradece os elogios à sua atuação e encerra a ligação.
Do outro lado da linha, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, ligava para dizer que o filme "Flores Raras" tinha tudo para representar o Brasil na disputa por uma indicação ao Oscar, em 2014.
Gloria concordou. Na produção, dirigida por Bruno Barreto, ela é a arquiteta carioca Lota de Macedo Soares, que protagoniza, com a poetisa americana Elizabeth Bishop, uma história de amor no Rio de Janeiro dos anos 1950 e 1960.
A ministra assistiu ao filme durante um festival de cinema brasileiro, em Lisboa. Baseado no livro "Flores Raras e Banalíssimas", de Carmen Lucia de Oliveira, o longa estreia em 16 de agosto e promete surpreender o público acostumado a ver Gloria Pires na TV.
No papel de uma mulher de personalidade forte, ela seduz Elizabeth Bishop, interpretada pela atriz australiana Miranda Otto. A química parecia estar presente. Gloria conduz a cena de sexo, beijando e segurando com intensidade sua parceira.
"Gostei muito do resultado da cena", conta a atriz, aos risos. "Quando você vive uma personagem, o seu querer precisa ser o dela. Precisa ver seu parceiro de cena com os olhos de amor, de paixão, de atração, necessários ao momento daquela história."
A única dificuldade, diz ela, foi o frio. "Naquela noite fez seis graus [na região serrana do Rio]. Era esse o desconforto. Mas acho que não transpareceu, porque existia um frêmito na cena por conta dessa excitação delas, desse encontro."
Elizabeth Bishop desembarcou no Rio, em 1951. Seu romance com Lota retrata um pouco do passado carioca. No período em que estavam juntas, a arquiteta conduziu a construção do parque do Flamengo, no local onde até então só havia um aterro.
Para construir a personagem, além de se basear no livro, Gloria pesquisou outros documentos da época. Chegou a sugerir a inclusão de uma cena em que Lota convence o então governador Carlos Lacerda a priorizar a construção do parque. "Pedi ao Bruno para incluir o diálogo para mostrar a intimidade entre os dois. Costumo brincar que eles faziam roupas no mesmo alfaiate", diz.
Outro projeto recente da atriz é o filme sobre a trajetória da médica alagoana Nise da Silveira, consagrada por transformar o tratamento da esquizofrenia no Brasil. "Ela leu tudo sobre a personagem. Construiu um retrato muito fiel. Muitas vezes, contestava: 'A Nise não diria isso'", diz Roberto Berliner, o diretor do filme (com lançamento previsto para o ano que vem).
Gloria deu entrevista à Serafina em um restaurante perto de sua casa, no bairro do Itanhangá, zona oeste do Rio. Mora com o marido Orlando Morais e os filhos Antonia, Ana e Bento. Cleo
Pires, a mais velha, vive sozinha.
Discreta, manteve o mesmo tom de voz, suave, ao longo de toda a conversa. "Você é muito delicada para ser a Lota", Gloria chegou a ouvir no encontro com uma ex-vizinha da arquiteta carioca.
"Ela podia ser uma mulher que falava alto, que usava roupas masculinas. Mas, ao mesmo tempo, sempre foi muito amorosa com todos ao seu redor", diz a atriz.
VOZ DE COMANDO
Em "Flores Raras", Gloria fala quase sempre em inglês, idioma predominante no roteiro. "Achei que os diálogos em inglês poderiam complicar em uma cena de emoção. Mas, talvez pelo fato de a personagem ser brasileira, essa preocupação passou logo que entrei no set." E impõe uma entonação firme -a "voz de comando" que desenvolveu a partir de Maria Moura, personagem da minissérie exibida pela Globo em 1994.
Ícone da dramaturgia da emissora, a atriz participou de mais de 20 novelas.
Na última década, passou a ser reconhecida também pela capacidade de atrair público aos cinemas após o sucesso de "Se Eu Fosse Você", comédia lançada em 2006, que ganhou uma continuação três anos depois.
O segundo filme atraiu 6,4 milhões de pessoas ao cinema. Ironicamente, o êxito comercial não se traduziu em remuneração para ela, diz a atriz.
"Não ganhei dinheiro com 'Se Eu Fosse Você', mesmo no segundo filme. Fiz porque gostava da história, não me arrependo de ter feito. Mas, se o filme deu lucro, foi só para quem produziu", conta Gloria, que não revela o valor recebido pelos dois longas. Ela esboça um sorriso e prefere mudar de assunto.
Dirigidos por Daniel Filho, o longa e sua sequência foram feitos pela Total Filmes. A produtora informa que "o cachê foi absolutamente compatível com o praticado pelo mercado para obras cinematográficas independentes".
A última aparição de Gloria nos cinemas havia sido em um filme produzido por Luiz Carlos Barreto: "Lula, o Filho do Brasil", de 2010. A expectativa de chegar a 20 milhões de pessoas acabou frustrada, e o longa atraiu aproximadamente 1 milhão de espectadores.
"O filme não deveria ter sido lançado com o Lula ainda no poder", avalia Gloria. "É um filme bom, correto, mas nem sempre isso é suficiente. É preciso saber o momento certo."
"Flores Raras" é o projeto que levou mais tempo para ser concretizado na carreira da atriz.
Há 17 anos, ela foi convidada por Lucy Barreto para o papel de Lota. Na época, a mulher e sócia de Luiz Carlos Barreto havia comprado os direitos de adaptação do livro para o cinema.
Entre outras causas, o filme atrasou pela dificuldade em conseguir patrocínio. "Ainda existe um grande preconceito contra o tema, mesmo sendo uma história de amor entre duas mulheres ícones de uma época", diz Lucy.
Gloria aponta uma vantagem na espera: "Tenho certeza de que hoje pude contribuir muito mais. Amadureci como artista e mulher. Se tivesse feito a Lota há 17 anos, ela não seria a mesma".
Confira o trailer de Flores Raras
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