'Juventude e dinheiro não são garantia de nada', diz Gloria Pires
Há um ano Gloria Pires não precisa mais receber áudios, silenciar algum grupo ou ser bombardeada a cada cinco minutos com uma mensagem no celular.
O impulso para deletar o WhatsApp, revela, veio após sua conta no aplicativo ter sido hackeada e a de duas filhas, clonadas. "Ficou claro que era uma idiotice se colocar como um alvo ambulante", diz a mãe de Cleo, da união com Fábio Jr., e de Antonia, Ana e Bento, do casamento com o cantor Orlando Morais.
Para contatar a atriz, só telefonando, enviando SMS ou email. "Minha vida ficou mais fácil, o meu tempo sobra."
Outra coisa que tem sido libertadora e que, segundo ela, aprendeu na pandemia de Covid-19, foi dizer "não". "Parei de viver com uma espada na cabeça. Acho que todo mundo deveria tentar fazer isso, falar ‘agora não posso’, ‘não quero’."
Já os "sim" que tem dito na vida profissional, aos 58 anos, são para projetos que lhe permitam ter maior autonomia e envolvimento, e não apenas ser convidada para protagonista "e entrar na história duas semanas antes [de filmar]".
Neste ano, a carioca aparecerá nos créditos de dois filmes não apenas como a protagonista. No drama policial "A Suspeita", de Pedro Peregrino, que chega aos cinemas em abril, ela estreia como produtora. E na comédia sobre con sumismo "Desapega", de Hsu Chien, na colaboração de roteiro.
Gloria diz que "A Suspeita" inaugura algumas coisas em sua carreira de 52 anos. "Eu tinha um desejo antigo de ser produtora e quando o Pedro [diretor] me mostrou o projeto, pedi para participar do processo todo, do roteiro, da edição. Foi um aprendizado enorme", fala. "E interpretei pela primeira vez uma policial, que trazia a condição de ter mal de Alzheimer."
No fim do ano, está prevista sua estreia como diretora em "Sexa", comédia que mostra uma mulher de 60 anos "cheia de amor para dar" que tem medo de envelhecer. Gloria será também a protagonista.
O desejo para escrever, produzir e dirigir, conta, era antigo, mas ela não se sentia habilitada para isso. "Sem nenhuma prepotência, adquiri essa experiência nesses 50 anos em que não parei de trabalhar. Não tinha a formação acadêmica para escrever, mas entendia os momentos em que a história estava se desviando, as cenas que não seriam usadas. Isso me deu um material que, agora, aos 58 anos, senti que estava na hora de usar em meu benefício."
Essa atuação em novas frentes de trabalho, afirma, não a afastará da TV nem das novelas, onde aparece desde seus oito anos. Ela já está reservada para uma nova trama das 21h da Globo, sobre a qual diz ainda não poder falar.
"A novela é um formato muito importante para a televisão aberta, e me sinto parte dele, me sinto reconhecida por isso." E conta que, nessas cinco décadas na TV, "só as séries que ainda não vieram [como oportunidades de trabalho]. Fiz apenas uma. Mas vou continuar batalhando. Quem sabe tenho sorte."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista da atriz à coluna, por videochamada, de sua casa no Rio.
Tenho vontade de dirigir já há algum tempo, mas agora, mais velha, consigo perceber o tempo de uma outra forma. Os filhos estão crescidos e posso começar a pensar nisso, porque [dirigir] é como cuidar de um filho, né? Você precisa ficar totalmente dedicada a ele. O filme tem um processo extremamente artesanal, e a convivência com o texto, com as pessoas, é densa.
Já fazer novela é mais extenuante. Você fica muito preocupado com a hora que vai dormir e acordar, em decorar texto, não pode ficar doente, tem que estar com a cara boa, ir ao dermatologista… a beleza da experiência você percebe depois que a novela acaba.
Não faço terapia, mas alguns trabalhos agiram como uma terapia de cura pra mim. Trabalho muito assim com a minha vida interior, estou sempre querendo me entender, querendo me conhecer melhor, vencer minhas limitações. Busco projetos que me desafiem também por conta disso, tenho prazer nessa auto investigação.
Para criar a Lúcia [em ‘A Suspeita'] eu li ‘Vivendo no Labirinto’ (ed. Record), escrito por uma americana diagnosticada com Alzheimer quando tinha 50 anos. O que mais me tocou lendo sobre a doença é ver a vulnerabilidade de quem vive com ela, tudo pode virar uma bomba-relógio. Você está dirigindo e, de repente, não sabe o que é um carro. Também vi que muitos que convivem com essas pessoas não entendem que perguntar se ela não se lembra de algo só causa mais aflição."
[A pandemia] é uma lição muito dura que todos nós vivenciamos. Mas nem todo mundo ainda aprendeu que a gente tem a vida como uma garantia, estar vivo com todas as suas delícias é uma garantia. Juventude não é garantia, dinheiro não é garantia. Mas algo que eu vivenciei na internação do Orlando [o cantor ficou dez dias internado em março de 2021, chegando a ir para a UTI] foi a importância da fé. Claro que isso não é garantia de que você vá sair [daquela situação], mas foi fundamental.
E muitas pessoas, até hoje, quando nos encontram na rua, no mercado, dizem que rezaram pelo Orlando. Essa corrente renovou minhas esperanças na nossa espécie, porque essa coisa da rede social, desses algoritmos que te direcionam para notícias que só interessam a você, envenenam as pessoas. Pessoas boas ficam tão envenenadas e têm atitudes horrendas por conta dessa influência tão nociva das redes.
Não tem nem o que dizer. Os fatos estão aí, não precisa nem ter muito trabalho para entender que o que está acontecendo é triste e revoltante. Mas as eleições estão aí e é um momento de virar esse jogo.
Eu não acho que é ruim as pessoas pensarem de forma diferente. Mas acho que um projeto de governo precisa, e tô falando do meu ponto de vista de cidadã privilegiada e olhando de fora, beneficiar a todos. As questões pessoais são pessoais, agora para o todo, para a massa, precisa ter os benefícios. As pessoas não vivem de brisa. Precisa ter saúde, transporte, educação, valorizar a cultura.
Há uma grande desvalorização da cultura de forma geral. O pessoal que faz teatro, por exemplo, foi o que mais sofreu. A Lei Paulo Gustavo surgiu após um ano e meio de pandemia. Antes tarde do que nunca, mas isso é chocante. A situação dos atores nunca foi fácil. Você vê aí a Record [pausa]... Não vou falar nomes, mas tem muita gente que trabalha com menos transparência. É difícil falar sem citar nomes e fazer comparações. Daí vão falar: ‘A Glória Pires está falando isso porque ela mamava na Lei Rouanet’. Isso é tão ridículo, as pessoas não têm a menor ideia do que elas estão falando.
Não acompanhei o trabalho da Regina [Duarte, que foi secretária de Cultura de Bolsonaro]... Embora a Regina tenha deixado algo importante. Vou checar o nome direito aqui para não falar nada errado e te passo [manda depois que Regina assinou a determinação, por parte da Secretaria de Cultura, para o Brasil aderir ao Tratado de Pequim, que regula os direitos autorais mundialmente]. Essa coisa de [analisar as] declarações [dela] é muito complicada, você acaba tendo só um lado… [o assessor de imprensa da atriz interrompe para dizer que a entrevista está saindo do foco, que a cultura é importante e que ela já deu a opinião dela. E diz que o tempo está acabando].
"Eu tô do lado de cá, não sei o que acontece dentro da empresa. Mas, observando de fora, deve haver algum sentido para isso acontecer que escapa à minha compreensão. Deve haver."
Eu tenho quatro filhos únicos, né, as duas mais velhas [Cleo e Antonia] já estão voando. Os dois mais jovens ainda estão comigo. A Ana, de 21, já disse que não vai sair de casa tão cedo. O caçula, o Bento, de 17, também disse que não vai sair de casa tão cedo. Isso me acalma [risos]. Gosto da companhia deles, mas quero também que eles sejam felizes, que eles tenham as oportunidades que eles buscarem. Sinceramente, eu não sou uma pessoa de ficar fechada na minha dor, não sou uma egoísta da dor, aquela pessoa que faz da sua dor o centro do universo, sabe? Que vai ser um problema para os filhos ‘porque como é que a mamãe vai reagir?’. Eu não curto ser essa pessoa.
"Quero me envolver mais nos projetos, expandir meus horizontes. E também quero ter mais momentos para mim. É um contrassenso, né, a pessoa falar que quer trabalhar, fazer um monte de coisas, mas também quer ter mais tempo para ela [risos]. Esse tempo para mim é algo que tô sempre buscando, nem que seja por meia hora do meu dia. Hoje eu tive um dia supercorrido, mas fui fazer 15 minutinhos de massagem e isso já me deu aquela reenergizada. Eu tento sempre pensar em dar um passo de cada vez, um dia de cada vez. Pensar em fazer o que a gente precisa hoje, agora. E daí planejar de alguma forma os próximos passos."
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