Mãe de quatro como na ficção, Gloria Pires conta: 'Corri xingando em francês para defender meus filhos'
Uma é mulher de Júlio Lemos e mãe de Carlos, Alfredo, Isabel e Julinho. A outra é casada com Orlando Morais e tem como filhos Cleo, Antonia, Ana e Bento. Se quase um século separa Lola e Gloria Pires, é na família — e na mesma quantidade daqueles que a compõem — que o papel principal de “Éramos seis” e sua intérprete se encontram. A atriz, inclusive, consegue fazer um comparativo entre os herdeiros reais e os da ficção (veja abaixo). O curioso, porém, é que ter uma família numerosa não era o sonho da vida da matriarca dos Pires de Morais.
— Minha família não era grande. Já Orlando tem uma enorme. Então, quando nos casamos, essa realidade chegou para mim. Mas achei bacana, incrível, na verdade. Imagina fazer uma festa só com os seus parentes. Não era um projeto de vida meu. Tinha assim, longe: “Se eu tivesse quatro filhos...”. Era uma coisa muito aleatória. Porém, quando as crianças foram chegando e povoando nossas vidas, foi ficando muito bom — afirma a atriz de 56 anos, que espera, com calma, ver o núcleo familiar crescer: — Quero ter netos, serão muito bem-vindos! Já tive um pouco de ansiedade com isso, mas agora estou como Zeca Pagodinho, deixando a vida me levar (risos).
É com essa tranquilidade que Gloria assiste ao crescimento dos filhos, vendo todos ganhando asas. Se Lola ainda tem os quatro herdeiros morando com ela, além de Júlio (que morre no capítulo de amanhã), as filhas mais velhas da atriz, Cleo, de 37 anos, e Antonia, de 27, estão vivendo em São Paulo. Ana, de 19, e Bento, de 15, ainda moram com ela e Orlando, de 62.
— Eu lidei bem com a saída delas. Comecei a trabalhar muito jovem, mas demorei muito para sair de casa. E eu tinha uma coisa na minha cabeça: não iria sofrer quando meus filhos saíssem. Iria entender, apoiar, para eles encontrarem o que gostam de fazer na vida. Mas me deu muito medo. É uma espécie de prepotência que mãe e pai têm de achar que sabem mais e que estão mais preparados para as adversidades. Então, eu tinha sempre essa coisa: “Será que eu falei tudo que precisava? Será que elas vão ter as ferramentas necessárias para o momento que precisarem? ”. Era esse o questionamento, mas não sofri com a coisa da partida, porque não via assim, via mais como uma evolução. Um caminho natural na vida de qualquer pessoa — relata a veterana.
Com esse pensamento sempre em mente, Gloria nunca tentou impor uma gerência à grande família:
— Eu não sou uma pessoa controladora. Sempre encarei a minha família como um organismo vivo, com a participação de todos. Uma obra em construção. Não é um bloco pronto, eu nunca vi assim. Orlando também não é possessivo. Ele tem muita preocupação com a coisa de estar tarde da noite na rua. Cada festa que rola, ele só dorme na hora em que a pessoa chega. Mas ele é grilado assim com todo mundo. Com os filhos, comigo, com ele próprio...
Com as duas para lá e os quatro para cá, reunir os seis é uma tarefa e tanto:
— Requer muito planejamento, mesmo com Ana e Bento morando conosco. Porque todo mundo tem suas vidas. Antonia e Cleo têm seus trabalhos, uma agenda toda própria. Acabamos de saber que Cleo vai passar o réveillon com a gente. Até então, ela não ia, porque teria um trabalho, mas, recentemente, ela falou que vai poder. É uma festa quando todo mundo consegue se reunir. Este ano em que estou fazendo novela, a gente não fez nenhuma viagem. Mas, normalmente, a gente organiza uma nas férias para todo mundo poder se programar. Porque é um momento muito especial para nós.
A serenidade de Gloria só desaparece quando as “crianças” estão em perigo. Sempre educada, ela conta que já desceu do salto ao ver seus meninos quase serem atropelados.
— Nós fomos a uma estação de esqui, e um instrutor irresponsável saiu da pista a toda velocidade e quase atropelou as crianças, que estavam brincando na neve fora da pista. Eu saí atrás desse cara, xingando, gritando em francês e eu nem falava tão bem assim para discutir com alguém. Me deu tanta raiva, ele tinha que ter responsabilidade. Um cara bem mais velho, tão irresponsável. Eu ameacei chamar a polícia, foi um quiproquó. Eu sou uma pessoa muito discreta, mas esse episódio realmente me apavorou — relembra.
Tal situação, certamente, deixaria Lola aterrorizada também, fazendo-a ter o mesmo impulso protetor. A personagem do século passado ficaria ainda mais impactada se visse um de seus filhos serem atacados, como acontece com Cleo nas redes sociais, por conta de suas opiniões sem meias palavras. Gloria, entretanto, afirma que só se interessa pelas atitudes da filha.
— Os haters... Eles são haters, né? São pessoas que não têm uma vida. Então, o que eles pensam não me importa. O que me interessa é o ponto de vista da minha filha, uma mulher corajosa, que está aí na vida, honesta, fazendo as coisas dela. Ela que é importante para mim, não o que dizem criaturas que eu nem conheço — decreta a atriz, cada vez mais orgulhosa de sua prole: — Cleo e Antonia têm trajetórias distintas, temperamentos diferentes, mas uma coisa em comum: a busca pela honestidade com elas mesmas, com seus pensamentos, suas crenças. Mesmo com todas as dificuldades e as dores que alguém descobre quando olha para dentro de si e se encara. Porque o que a gente vê nem sempre é tão bom. Mas elas são pessoas muito firmes nessa busca.
O sentimento não é muito diferente por Ana e Bento:
— Eles têm uma linda convivência. São os dois mais próximos de idade também. Quando ele nasceu, ela não tinha nem 4 anos, e sua atitude com o irmão foi tão comovente... Recebeu, sem ciúme, competição, choro. Ana sempre foi muito mãe do Bento. E até hoje eles são bem unidos. Existe essa característica entre os meus filhos, a qualidade da irmandade. Eles têm essa união, esse respeito, essa admiração uns com os outros. E eu também tenho por eles.
Com 100% do tempo tomado por Lola, a atriz, ironicamente, só parou por uma semana devido a uma enfermidade. (“Sei lá se foi uma virose, mas fiquei muito doente”, diz). Assim que voltou a vestir a matriarca dos Lemos, retomou o mergulho em suas mais remotas lembranças.
— Eu sempre me lembro da minha avó. Nascida no fim do século 19, veio para o Brasil semianalfabeta. Eu me lembro dela falando, por exemplo, das dificuldades para se adquirir um tecido. É interessante pensar que, historicamente, aquilo tem tão pouco tempo, mas está tão distante. E é interessante também falar da Lola com o recorte da época. Principalmente porque tem coisas que não mudam — acredita Gloria, que, como sua personagem que dá nó em pingo d’água para manter a casa da família, passou por perrengues ao lado do pai, o ator Antonio Carlos; da mãe, Elza; e da irmã, Linda: — Vivemos muitas dificuldades porque meu pai era ator. E a vida de artista sempre foi muito inconstante, incerta. Em vários momentos, a gente enfrentou apertos, sim. Mas meus pais tinham uma maneira de encarar a vida com positividade, com a certeza de que tudo ia dar certo. Então, a minha vida teve momentos assim, mas a gente nunca sofreu. Nunca teve o sofrimento que a gente vê no Júlio, que tem um rancor pelo peso que ele carrega.
Talvez a única leveza do patriarca dos Lemos seja as escapadas, no cabaré, com a dançarina Marion (Ellen Rocche), traição de que Lola nem desconfia, segundo Gloria.
— Isso não passa mesmo pela cabela dela, não há essa malícia — garante a artista, que prefere se manter neutra quando o tema é traição: — Acredito que cada pessoa vive de acordo com o que dá conta. E acho cada vez mais difícil opinar sobre isso, porque cada um deve ter o direito de viver a vida do jeito que gosta ou do jeito que consegue. A traição é uma coisa que tem a ver com quem está envolvido na história, só com essas pessoas. Não me cabe julgar, achar isso ou aquilo.
O que a atriz sabe é como gostaria de terminar seus dias. Se no livro de Maria José Dupré, em que se baseia a trama das seis, Lola termina sozinha, Gloria tem outros planos:
— Não temo a solidão. Vira e mexe, busco momentos de solidão, inclusive. Preciso muito de silêncio, sou muito introspectiva. Sempre fui, desde criança. A vida artística me obrigou a encarar essa coisa de público, de assédio, no sentido de popularidade. Isso para mim foi um processo longo e difícil. Só depois, bem mais velha, que comecei a lidar bem com essa coisa de estar em público. Espero ficar uma velhinha saudável para aproveitar a companhia dos meus filhos, dos meus netos, se eu os tiver, e do meu marido. Curtir com Orlando o ninho vazio.
Fonte: Jornal Extra
Fotos: Marcos Ramos
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