Gloria Pires: Moça brava e bem comportada

"Seguindo com mais uma entrevista surpreendente de Gloria Pires, dessa vez selecionei uma da revista Marie Claire em 2001 onde a atriz fala abertamente sobre todos os assuntos, confiram".



Gloria Pires: Moça brava e bem comportada


Por Fernanda Cirenza


Aos 37 anos, Gloria Pires carrega no currículo nada menos do que 30 anos de sólida carreira televisiva. Ela parou de estudar na 7a série e se dispôs a qualquer coisa, “até morar debaixo da ponte”, desde que pudesse fazer o que queria, representar. Deu tudo certo: aos 14 anos ela já era ídolo, fazendo a adolescente rebelde Marisa na histórica novela “Dancin’ Days”. De lá para cá, acumulou papéis de sucesso. Acometida pela crise da rotina profissional e por um forte boato que envolveu sua filha Cléo e seu atual marido, o músico Orlando Morais, Gloria ficou fora de cena por mais de um ano para agora ressurgir no cinema com “A Partilha”, dirigido por Daniel Filho. Nesta entrevista, ela abre o jogo e conta que nem ela imaginava que o destino lhe reservasse uma vida tão certinha.

MC - Você está fora de cena há mais de um ano
GP É estou sem trabalhar desde o final de 99. Mas estou feliz de voltar à ativa com o filme. Eu precisava muito de um trabalho que me estimulasse, porque estava sem horizonte. Não estava conseguindo trabalho com prazer, o que é um problemaço.

MC - Por que esse desânimo?
GP Não sei se o fato de eu ter começado a minha vida profissional quando eu ainda era muito jovem... Acho que foi uma junção de coisas: o surgimento daquele boato horroroso, o fato de eu fazer muita televisão e também de t er emendado, em um período, um trabalho no outro.

MC - E o boato, como surgiu? [Em 1998, foi divulgado que Cléo, filha de Gloria com Fábio Jr., cantor e apresentador de TV, tinha um envolvimento com Orlando Morais, músico e atual marido da atriz, com quem tem outras duas filhas, Antonia, 8, e Ana,1.]
GP Foi uma história horrorosa. É inacreditável pensar que quem inventou isso consegue viver normalmente entre outras pessoas. Quem inventou isso tinha de estar enjaulado. A Cléo, na época, só tinha 15 anos... Não sei como surgiu esse boato nem tenho como descobrir. Recebo todo tipo de informação até hoje. O importante é que a gente processou algumas pessoas que se referiam à minha família com muita insistência. Foi uma loucura.

MC - A sua ida para os Estados Unidos foi por conta disso?
GP É claro que foi. Para a Cléo e para o Orlando foi muito difícil. Nós fomos vítimas de uma mentira sórdida. Foi horrível ver a minha filha exposta daquele jeito, e eu sendo tratada como coitadinha de uma história que não aconteceu, que não tinha o menor fundamento. Isso acabou comigo, acabou com o Orlando, acabou com os nervos da gente, mas não conseguiu abalar a nossa estrutura familiar, que é muito sólida. Aliás, nossa relação ficou mais forte e superamos essa história toda com nosso amor e nossa união. Também não dá para achar que tudo é totalmente ruim, alguma coisa boa a gente tem de tirar dos momentos duros que, às vezes, passamos.

MC - As pessoas esqueceram o boato?
GP Esqueceram nada. No final do ano passado, sofri um aborto e tive de ficar hospitalizada. O Orlando, dois irmãos dele e um amigo nosso levaram a Cléo para almoçar em um restaurante perto do hospital em que eu estava. Ao perceberem a chegada da minha família, umas pessoas começaram a comentar o boato e uma delas chegou a falar: “Onde há fumaça, há fogo”. O Orlando e os meus cunhados perceberam tudo e por pouco não saiu pancadaria. Os irmãos do Orlando queriam dar porrada mesmo. Mas o Orlando interveio para evitar que a Cléo, que nem tinha sacado a conversa da outra mesa, ficasse novamente exposta. Ainda bem que ele conseguiu segurar os irmãos. Se você desce o braço em um cara desses, o errado é quem partiu para a agressão. É o mundo em que vivemos, até parece ser mais um capítulo do mundo animal.

MC - O que vocês fizeram nos Estados Unidos?
GP A gente estudou. Fizemos inglês, ginástica, passeamos. Tivemos, todos nós, um período merecido de madames do bem. Ficamos um período em Los Angeles e depois voltamos para eu poder fazer aquela novela tenebrosa, a “Suave Veneno” [de Aguinaldo Silva], com a qual ganhei um bom dinheiro, mas não gostei daquele trabalho, era uma bobagem. Largar a vida que a gente estava levando nos Estados Unidos para fazer aquela novela acabou comigo.

MC - O Orlando ficou irritado com a sua decisão de voltar?
GP De jeito nenhum. É o meu trabalho e me chamaram para a novela. Todo mundo dizia que aquele papel tinha de ser feito por mim [Gloria interpretava a personagem Maria Inês, que perde a memória em um acidente]. O autor nem sabia o que ele queria fazer, e eu não entendi nada.

MC - Foi o seu pior trabalho?
GP Não. O pior foi em “O Rei do Gado” [de Benedito Ruy Barbosa, 1996-97]. Minto. Antes teve “Partido Alto” [Aguinaldo Silva e Gloria Perez, 1984], que também foi de lascar.

MC - Mas “O Rei do Gado” fez o maior sucesso.
GP É, só que eu dizia o tempo todo três frases: “Eu sei”, “Sim, tio”, “Por quê?”. [Ela fazia Marieta, sobrinha de Geremias Berdinazzi, personagem de Raul Cortez]. Passei uns quatro meses sem ter o que fazer. E o Raul Cortez falando, falando. Foi difícil.

MC - Você está cansada de TV?
GP Acho que não tem mais surpresa em fazer televisão. A última novela que tive vontade de ler os capítulos foi “Vale Tudo” [de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basseres, 1988-89]. Existe uma filosofia de que ela tem de dar certo, mas só dá para fazer sucesso quando todo mundo está a fim de fazer aquele trabalho. Primeiro, o autor tem de estar a fim de escrever e o diretor, de dirigir. Juntos, eles vão levar o bonde. Tenho a impressão de que a televisão quer fazer novelas como se fossem receitas de bolo, e isso não funciona se você levar em conta que são três bolos por noite ou seis receitas por ano. Tem uma hora que desanda. É a história da filha que vai roubar o namorado da mãe ou a do namorado da filha querendo a mãe. E daí? Eu já vi essas histórias em um monte de novelas. Falta a Janete Clair, que vai fazer todo mundo pirar, que vai fazer a outra morrer num acidente de carro, mas que, na verdade, ela não morreu e vai voltar linda, loira. Falta dramaturgia, sangue, coração batendo. É disso que sinto falta. E, olha, já fui muito feliz fazendo novela.

MC - O teatro está nos seus planos?
GP Não sei. Amanhã, de repente, pode me dar uma vontade louca de fazer teatro. Mas eu realmente não sei. Só sei que não é a minha história hoje. Eu cresci dentro da televisão.

MC - Você é jovem e respeitada como atriz. Como é administrar essa situação?
GP Essa coisa de ser respeitada é motivo de orgulho para mim porque é realmente uma vitória pessoal. Eu sempre tive como certo que seria atriz. Eu pensava: “Eu não vou estudar outra coisa, não vou me formar em nada porque, se quero ser atriz, vou ser atriz. Se não der certo e eu tiver de morar debaixo da ponte, paciência. É onde vou morar se for o caso, mas vou ser atriz”. Meus pais compraram totalmente a minha onda, mesmo com muita gente dizendo que eles estavam sendo irresponsáveis em me deixar embarcar tão fundo na carreira. Muitos achavam que eu tinha de me formar, ter um diploma. Meus pais acreditaram em mim e isso me deu uma reponsabilidade maior, de me policiar para a minha vontade de ser atriz dar certo. E quis o destino que tudo corresse bem.

MC - Como convive com a fama?
GP Eu gosto de andar na rua e não tenho problemas ao ser identificada por alguém. Estou fazendo um trabalho voluntário no hospital do Carmo, sou madrinha de 62 idosos que vivem lá. Muitos não têm família, outros têm, mas ninguém dá muita atenção a eles. Visito essas pessoas todas as segundas-feiras. Às vezes, paro o meu carro na rua e as pessoas chegam perto de mim para pedir autógrafo, tirar uma fotografia. É bacana. Quando eu vou lá, fico totalmente desenergiza-da, porque os idosos ficam tão carentes, loucos por ter uma pessoa que fique ouvindo as histórias deles. Chego em casa morta. Às vezes, nem consigo jantar. Mas é um trabalho que eu realmente queria fazer e estou achando maravilhoso.

MC - Ela está dando trabalho?
GP Sabe que não? Ela é bacana, tem cabeça boa e é muito doce também. Às vezes, eu até a deixo ficar meio rebelde, porque um pouco de rebeldia também é necessário. Mas a rebeldia da Cléo é brinquedo perto do que eu vejo. Ela é gente boa e, modéstia à parte, é bem-educada. Olha só como ela é. Quando completou 18 anos, ganhou um carro, mas não queria fazer auto-escola. O carro ficou seis meses na garagem, pode? Talvez ela tivesse medo de dirigir, mas talvez quisesse manter essa coisa de ficar mais pertinho da gente.

MC - A Cléo mora com você?
GP Mora. Às vezes, ela fala que vai morar fora, que ela quer estudar fora, mas não sei se ela vai. Ela vai prestar vestibular, mas ainda não sabe o que quer fazer.

MC - Por que essa diferença de idade entre as suas filhas?
GP Muita gente acha loucura esse meu ritmo de arrumar um bebezinho quando uma já está maiorzinha. Se eu não tiver uma brecha para poder realmente aproveitar a maternidade, não tem jeito para mim. A forma que eu encontrei de conciliar minha vida de atriz e de mãe foi essa, dando um espaço grande entre uma e outra filha. Bebês pedem muita atenção e dão bastante trabalho. Mas, ao mesmo tempo, passa muito rápido, o primeiro ano de vida voa. Eu me ressinto muito de ter aproveitado pouco a Cléo bebezinha, mas, naquela época, eu não tinha experiência nem noção de que o tempo realmente voava. Quando me dei conta disso, prometi a mim mesma que faria diferente com o próximo bebê. Daí veio a Antonia e, três meses depois, eu estava gravando “Mulheres de Areia” [de Ivani Ribeiro, 1993], mas minha estrutura familiar era outra, eu já estava casada com o Orlando, que é um superpai.

MC - Você casou bem jovem com o Fábio Jr.
GP Na verdade, a gente não casou. Começamos a namorar quando eu tinha 16 anos. Fiquei grávida da Cléo aos 18.

MC - No final dos anos 70, muitas adolescentes tinham inveja da sua vida: uma das atrizes principais de “Dancin’ Days” [de Gilberto Braga, 1978-79] e namorada do Fábio Jr., que, na época, era um ídolo...
GP Posso falar que nenhuma menina perdeu nada. Mas ele era lindo mesmo naquele tempo. Hoje acho que ele passou a ser a pessoa que realmente é por dentro. Uma hora essas coisas acabam aflorando em todos os aspectos, nos relacionamentos profissionais, na vida amorosa, na aparência.

MC - Como é conciliar a vida de mãe e atriz?
GP É difícil. Ser ator é difícil para conciliar com qualquer outra coisa. Principalmente ator que faz televisão, porque é uma dedicação total. Quando você está fazendo novela, não tem espaço para quase mais nada, e a vida familiar fica supercapenga. Um ator de televisão grava dez horas por dia e chega em casa exausto. Daí, tem de decorar o texto para o dia seguinte, tem de estudar, jantar, tomar banho, responder aos telefonemas. Não dá para sair e se divertir e, no fim de semana, a gente trabalha. Sou muito organizada com as minhas coisas, pego o bloco de capítulos e leio tudo, não estudo apenas a minha parte, eu leio a novela toda. Isso dá trabalho e leva tempo. Mas filho, para mim, é prioridade e todo o tempo livre que tenho é para minha família.

MC - O que você faz para manter a aparência?
GP Faço ginástica com a Jô, que é uma mulher maravilhosa, é o bicho. Ela arranca o couro da gente, mas sem tortura, sem machucar. Faço 40 minutos por dia na minha casa. Também me alimento bem e tomo vitaminas indicadas por um médico ortomolecular. Não como carne vermelha desde os meus 12 anos, quando fiz uma promessa. Hoje não sinto a menor falta. Estava fazendo tai chi chuan, mas o tempo ficou curto e preferi ficar só na ginástica, que eu precisava mesmo.

MC - Como você cuida do cabelo?
GP Tenho uma tinturista maravilhosa, que é uma maga das tintas. Ela usa produtos bárbaros para cobrir os meus cabelos brancos e não deixar que fiquem sem brilho, ressecados. Esse negócio de comer bem também é importante para manter todas as aparências. Além disso, parei de fumar quando fiquei grávida da Ana. E eu levava esse negócio de fumar a sério, era uma fumante profissional, mas larguei esse vício.

MC - Você gosta de beber?
GP Como toda boa carioca, gosto de cerveja. Champanhe também é muito bom, mas é uma bebida para ocasiões especiais. Mas uma cervejinha... Só não bebo todo dia para não ficar com aquela barriga horrorosa de todo bebedor de cerveja.

MC - Como é compartilhar a vida com um músico?
GP Lá em casa tem muita música. O Orlando é aquariano e a cabeça dele vai lá do outro lado do mundo. Ele pesca tudo no ar, tem uma percepção incrível. É muito bom viver com ele, que é um excelente músico. Além de compor e cantar, ele toca. O estúdio dele é lá em casa e isso é bárbaro porque, de repente, ele me chama para ouvir uma música nova que ele fez. Vai todo mundo para o estúdio, a família toda. A Cléo é a mais empolgada, gosta de cantar e canta bem. Ela e a Antonia participam do último CD dele. A Antonia agora diz que quer ser cantora por causa da Sandy. Só é ruim quando ele faz turnês, porque aí eu fico sozinha.

MC - O que você acha de cirurgia plástica?
GP Acho bacana. Já fiz e faço novamente se houver necessidade. Uma cirurgia bem-feita é uma cirurgia que limpa, que suaviza os seus traços, sem ficar claro que você repuxou.

MC - Você fez o quê?
GP Uma cirurgia nos dentes e outra na gengiva, que foi diminuída. Fiz também nos seios.

MC - Tirou ou colocou?
GP Não tirei nem coloquei, só deixei do jeitinho que eram. Foram levantados. Morro de medo de silicone. Até gostaria de ter mais busto, mas fico com medo de colocar silicone. Já tive um nódulo, que tirei, e parece que é meio perigoso colocar um corpo estranho. Prefiro não arriscar.

MC - Você imaginava que ia ter uma vida tão certinha?
GP Assim, tudo tão direitinho, eu não imaginava. Tenho um marido maravilhoso, filhas lindas e saudáveis, sou feliz com o que faço, ganho dinheiro e meu pai está vivo e morando comigo. Tenho muitos motivos para ser uma mulher feliz.

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Fonte de pesquisa:

Revista Marie Claire (Edição 124/ano: 2001)

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