Devoradora de homens na TV, Gloria Pires fala da família, diz que não fez plástica e admite: 'Tenho ódio de HD'
Fonte: Revista O Globo - 05 / 04 / 2015
Link: Patrícia Kogut
Fotos: Fábio Seixo
Hedonista, cruel, dona de um apetite sexual pantagruélico e amoral, a Beatriz de “Babilônia” foi uma missão oferecida por Gilberto Braga a Gloria Pires e aceita sem perguntas. Quando ela ainda estava gravando o remake de “Guerra dos sexos”, em 2012, recebeu um telefonema do autor perguntando se toparia fazer sua próxima novela. Explicou que ainda estava criando a história, queria reservá-la, e só. Como tem uma lista de bem-sucedidas parcerias com ele, ela disse sim instantaneamente. A primeira delas, a Marisa de “Dancin’ days”, um estouro de 1978 recentemente reprisado no Canal Viva com ótimos índices de audiência. Outra, inesquecível, foi a Maria de Fátima de “Vale tudo” (1988), a filha mais ingrata que o telespectador já viu nas telenovelas brasileiras. Com esses sólidos avais, a atriz sabia das garantias da proposta mesmo sem conhecer os detalhes.
— Meses mais tarde, ele me ligou, contando que faria duas vilãs. Só bem depois, quando recebi a sinopse, entendi a incrível oportunidade que estava recebendo e senti medo. Tive a percepção de que era algo realmente novo — conta Gloria.
A ênfase no “realmente novo” se explica. Em novelas desde os 5 anos — quando participou de “A pequena órfã” na Excelsior —, Gloria fez de tudo na TV. Diferentemente de muitos de seus pares, que costumam ver no teatro a verdadeira atividade nobre para um ator, ela se manteve longe dos palcos. E tornou-se mestre diante das câmeras. Hoje, aos 51 anos, é lembrada por uma ampla paleta de emoções desempenhada com equivalente domínio. Ela foi a mocinha romântica de “Cabocla” (1979) e a divertida vigarista Sarita de “Mico preto” (1990). Mais tarde, Ruth e Raquel, as gêmeas boa e má de “Mulheres de areia” (1993), e a traiçoeira babá Nice de “Anjo mau” (1997). Das adaptações da literatura, interpretou Ana Terra de “O tempo e o vento” (1985) e foi protagonista de “Memorial de Maria Moura” (1994). Um vasto repertório. Está sempre no ar em alguma reprise. No momento, em “O Rei do Gado”. Não existe a televisão brasileira sem ela e vice-versa.
Ainda assim, Beatriz trouxe conexões surpreendentes. Nenhuma das figuras desse currículo é tão livre de freios, tão multipolar e descarada como essa. Daí o medo que a atriz diz ter sentido.
— Ela é uma personagem muito rica, no sentido de que pode tudo, ou acha que pode — analisa Gloria. — É totalmente imprevisível, cheia de energia, leviana. Muito inconsequente em alguns momentos e age como se não houvesse amanhã. É a verdadeira expressão da frase carpe diem. Busca o próprio prazer, gosta do perigo.
Gilberto, para quem Gloria é Glorinha e que escreve “Babilônia” com Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, nunca teve dúvidas do bom resultado:
— Ela é mais do que uma grande atriz, é um fenômeno. A novidade maior, acho, é que ela esteja fazendo um papel de mulher sexy, isso ela nunca tinha feito. Está arrebentando. Mais do que nunca, eu sei que a cena que vier ela traça.
Dennis Carvalho, que a dirigiu em “Dancin’ days”, “Vale tudo” e está à frente de “Babilônia”, observa que a atriz é “minimalista, vai nos detalhes”. E criativa:
— Ela nunca faz igual. No ensaio, se comporta de um jeito, na cena, de outro. É intuitiva. Sem dizer que é uma colega espetacular. Fora o clima entre ela e Adriana Esteves, uma alegria só.
Sobre a parceria com Adriana, sua inimiga na ficção, Gloria explica que aquilo que é agressivo no ar, nos bastidores se desenrola justamente ao contrário:
— Há uma curtição em estudar as cenas, trabalhando detalhes. Mesmo em dias pesados, rende boas gargalhadas.
Se, como diz Gilberto, Gloria “traça tudo”, ela tem lá suas reservas e temores quando fala de cenas fortes na novela.
— Sei que as tintas certas serão usadas, afinal, é uma trama do Gilberto. A TV entra na casa das pessoas, na minha casa, eu tenho filhos e penso nisso — diz a atriz, referindo-se a Cleo, de 32 anos, Antônia, de 22, Ana, de 15, e, principalmente, a Bento, de 10.
O caçula dorme cedo e não tem permissão para acompanhar “Babilônia”. Quando a mãe estava no ar em “Insensato coração”, em 2011, Bento viu o penúltimo capítulo, em que a personagem dela, Norma, morria assassinada com um tiro. A experiência foi ruim.
— Não dou força para ele ver novela. Ele assistiu contra a minha vontade, junto com as irmãs que estavam loucas para ver, e ficou muito chocado, foi horrível. Por mais que eu explicasse tudo em detalhes, que aquilo era sangue cenográfico, que ficava numa bolsinha sob o figurino, não adiantou. Era a mãe dele levando um tiro — lembra.
Casada há 26 anos com o músico Orlando Morais, a atriz se diz “mãezona”, embora “uma mãe possível”. Ela se refere à dedicação profissional que ocupa grande parte do seu tempo. Atualmente, grava de segunda a sábado, em ritmo intenso, já que Beatriz é uma das principais personagens da novela.
— Minha vida sempre foi assim. Sou presente e muito coruja, mas não tenho como me dedicar 100% a eles. Eles sabem disso e está tudo certo. Sinto necessidade de estar com a minha família. É uma espécie de alimento indispensável para que eu fique bem — resume. — Preservo a minha intimidade e evito exibir minha família, mas também não me escondo. Minha vida tem isso da alta exposição, é um dado. Quando temos que ir a algum lugar público, vamos numa boa.
No dia a dia, ela é acompanhada de perto por Antônio Padilha, seu assistente há 23 anos. Foi ele quem a cercou de cuidados durante essa entrevista, que aconteceu num clube na Barra da Tijuca depois da gravação em que acontecia uma festa. Padilha trouxe água, perguntou “precisa de mais alguma coisa?” e esperou a sessão de fotos para seguir com ela para casa.
— Até o texto a gente bate — orgulha-se ele.
O texto, aliás, exige da atriz um momento de isolamento. Para isso, ela também desenvolveu uma rotina. Assim que recebe os capítulos, “dá uma lida pra entender”. Só depois, estuda e decora as falas. Diz que “não é tão difícil como parece”, graças a algo que aprendeu com o pai, o humorista Antônio Carlos Pires:
— Eu era criança e estava com medo de esquecer o texto na cena. Meu pai me acalmou. Disse assim: “Não se preocupa em decorar. Pensa em entender.’’ Levei isso pra minha vida.
Essa compreensão do texto levada ao seu paroxismo é que permite que ela “embarque em qualquer personagem”. No caso de “Babilônia”, afirma, a entrega é facilitada pelas características da vilã, cruel e intensa:
— Nunca sei aonde ela pode ir. Beatriz não tem limites. É divertida demais. Digo isso porque faço com humor, com uma dose de deboche que considero fundamental.
Beatriz vem sendo comparada a Maria de Fátima. Como a personagem de 1988, é má e tem a língua afiada. E faz, de novo, par com Cássio Gabus Mendes. Mas Gloria ri quando confrontada com essa pergunta.
— A Fátima não tinha nem metade da esperteza da Beatriz. Era ambiciosa, cheia de caraminholas na cabeça, audaciosa e naturalmente malandra. Mas uma garota. Agora estou interpretando uma mulher que sabe tudo da vida, é muito diferente.
A atriz diz que não carrega características de uma personagem para outra, “embora todas sejam resultado de uma colagem de gente conhecida”:
— Observo muito as pessoas e uso isso em cena. Já fiz muita coisa em novelas, mas sempre é diferente. Cada momento é um, o prisma muda.
O trabalho em “Babilônia” também é motivo de muitos elogios do público à boa forma da cinquentona atriz. Ela diz que “demorou a gostar de se ver na televisão”, mas isso passou. Assim que a novela estreou, há menos de um mês, a Central de Atendimento ao Telespectador (CAT) da Globo explodiu com ligações de espectadoras querendo saber onde comprar os figurinos que ela usa, qual a cor da tintura de cabelo e até dos esmaltes. Gloria não escorrega para a falsa modéstia ao comentar a admiração geral:
— Me cuido muito. Sabe aquela promessa que as pessoas fazem, de véspera de Ano Novo, de que vão se cuidar? Então, eu levei isso a sério há uns 20 anos. Dedico um tempo a mim. Faço ginástica com um treinador, na academia, e não falto — conta ela, apoiando o braço bem torneado sobre a cadeira enquanto gesticula.
Ela controla o peso às custas de uma “dieta permanente” e com a ajuda do nutrólogo João Curvo, além de obedecer aos conselhos de um ortomolecular e “gostar muito de medicina chinesa”. Seguindo essa orientação, toma pílulas de vitaminas diariamente, mas ressalva que “não quer fazer propaganda disso, algo pessoal” e reforça que não usa hormônios do crescimento, ou outras poções ditas milagrosas para a eterna juventude. Perguntada se já fez plástica, acena negativamente. Se ver bonita na televisão pode ser um prazer, mas Gloria assegura que não é algo determinante:
— No caso da Norma de “Insensato coração” era tudo ao contrário. Enquanto ela esteve presa, eu não usava um pingo de maquiagem e tudo bem. Só tenho ódio da tecnologia HD, que mostra todos os defeitos da gente.
Quando ouve que há reclamações sobre as maldades de Beatriz, recomenda a leitura do jornal:
— A realidade tem coisa muito pior. O que importa é uma boa trama que leve as pessoas a grudarem na TV e a discutirem o que está errado. “Babilônia” fez isso desde o início.
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