Anônimos, famosos e elenco fazem da reprise de 'Vale tudo' sucesso na TV e na internet
Anônimos, famosos e elenco fazem da reprise de 'Vale tudo' sucesso na TV e na internet
Natalia Castro, Renata Leal e Tatiana Contreiras
RIO - A expectativa era grande. Depois de ser elevada ao posto de um dos retratos mais fiéis da realidade brasileira no fim dos anos 1980, espécie de crônica televisiva de uma época, "Vale tudo" voltaria às telas. Desta vez, em sua versão integral e sem cortes, à 0h45m, reprisada pelo canal Viva. E, desde o dia 4 de outubro, a cena tem se repetido: telespectadores insones e aflitos por mais um capítulo da novela, assinada por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères e originalmente exibida entre maio de 1988 e janeiro de 1989.
Vinte e dois anos depois de sua estreia, a trama é um fenômeno, mas se adequa aos novos tempos - e às novas mídias. No Twitter e no Facebook, os comentários sobre momentos inesquecíveis protagonizados pela filha ingrata Maria de Fátima (Gloria Pires) e sua honesta mãe, Raquel (Regina Duarte), têm hora marcada, todos os dias. Basta a abertura de "Vale tudo" entrar no ar. As redes sociais têm outro papel marcante no atual boom da novela: perfis e aplicativos que emulam pérolas de Odete Roitman (Beatriz Segall) e Heleninha (Renata Sorrah), por exemplo, se tornaram sucesso. No YouTube, depósito de vídeos online, cenas são vistas e revistas pelo público.
Como ponto de partida da trama, que aborda de forma clara a corrupção no país, está uma traição: ansiosa por subir na vida, Fátima passa a perna na mãe e segue para o Rio de Janeiro. Enquanto ela tenta se dar bem a qualquer custo, Raquel quer vencer pela honestidade.
- Tenho visto a reprise, sim. E sinto um grande orgulho. É uma boa novela, a história prende e os personagens são fortes. O principal diferencial é a qualidade: o elenco é de primeira e tudo isso conta. Podia, sem dúvida, estar se passando hoje, porque o Brasil não mudou tanto assim de 1988 para cá - avalia Braga, que entende a preferência do público por Odete e Fátima: - Elas têm borogodó. A Fátima tem vilania justificada, porque não deve ser fácil ser filha da Raquel.
Letícia Muhana, diretora do Viva, comemora o sucesso da aposta. Para exibir o folhetim, o canal criou uma nova faixa para a teledramaturgia dos anos 1970 e 1980. Entre as próximas atrações do horário, "Dancin' days" é cotada. E deve herdar os bons índices de sua antecessora: na terceira semana de exibição, "Vale tudo" obteve sua melhor média de audiência, 20% a mais que a dos primeiros dias. No ranking dos canais pagos, desde sua estreia a novela deixou o Viva em primeiro lugar no horário, entre o público feminino maior de 25 anos e das classes A, B e C. Os dados são do Ibope.
" A novela é atual e moderna. A geração que viu quer ver de novo, e quem não viu quer ver ".
- Sabíamos que iria mobilizar o público não só pela qualidade da dramaturgia e do elenco, mas também pelos temas que aborda. O que estamos vendo, porém, é um fenômeno muito maior. A novela é hit nas redes sociais - diz Letícia.
E esse hit tem o dedo de telespectadores anônimos e famosos. Preta Gil é um deles. A cantora e apresentadora está vendo "Vale tudo" pela terceira vez na TV. Na primeira semana de exibição no Viva, ela dormiu às 3h todos os dias. Depois, passou a gravar os capítulos.
- A novela é atual e moderna. A geração que viu quer ver de novo, e quem não viu quer ver. Nem hoje em dia vemos tramas atuais falarem de política, pobreza e realidade. Parece que estão mais politicamente corretas. Mas, é louco a gente ver que nada mudou - diz Preta, assídua no Twitter.
Aos 15 anos, Francisco, filho de Preta e de Otávio Müller, se diverte ao ver o pai em cena. O ator vivia Sardinha, fiel escudeiro de Solange (Lídia Brondi).
- Meu pai já tinha me mostrado alguns vídeos e assisti a trechos no "Vídeo show", mas nunca tinha visto integralmente - conta.
Com "Vale tudo" como motivo para o sono tardio, a advogada Fernanda Ferreira, de 32 anos, gosta de rever novelas na internet. Hoje, ela comenta com as amigas, as gêmeas Tássia e Paula Holguin, de 28 anos, cenas que viu na infância:
- Quando passou pela primeira vez, eu era criança e ainda lembro muito de papéis marcantes como Heleninha, Fátima e Raquel, que mostrava que com trabalho e honestidade se sobe na vida sem trapacear e nem levar vantagem.
A personagem de Regina Duarte virou exemplo de mulher honesta na TV. Quem esquece o primeiro encontro de mãe e filha no Rio? Ou quando Raquel rasga o vestido de noiva de Fátima?
- Tive o extraordinário privilégio de viver uma mulher inteira, colada na realidade, com mil nuances. Um prato cheio e saboroso para qualquer atriz se realizar. Como cidadã, também me orgulha ter tido o privilégio de representar o brasileiro que ainda acredita que dá pé ser do bem. Ela não tem vergonha de ser correta e coerente com seus princípios de honestidade - acredita Regina.
No contraponto de Raquel está Odete Roitman. Considerada a grande vilã da TV brasileira, fez Beatriz Segall ser lembrada até hoje. Aos 84 anos, a atriz, que estreia a peça "Conversando com mamãe", ao lado de Herson Capri, diz que Odete (que entra na trama quarta-feira) era sucesso por fazer críticas marcantes e verdadeiras:
- Odete não inventava nada e fazia uma avaliação muito boa do Brasil. Era isso que agradava, e as pessoas eram obrigadas a concordar. Ela era muito querida, isso sim. Nunca fui agredida.
Na história, Afonso era o filho que herdaria o legado dos Roitman. Até ele era manipulado pela mãe. Depois, o rapaz, vivido por Cássio Gabus Mendes, descobriria as armações da mulher, Fátima.
- O mais surpreendente é que gente nova está assistindo e comentando a novela - observa o ator.
Feliz com a repercussão, Antonio Fagundes revela estar adorando se rever mais jovem como Ivan, que segue o rumo da desonestidade na trama.
- É muito bom ver todo mundo magrinho, novinho, com cabelo (risos) - diz o ator, que reconhece o mérito do texto e da produção: - A novela não tem gordura. Os personagens entram na trama porque precisam estar ali.
Entre os que mais renderam está Heleninha Roitman. Apesar de retratar com seriedade o alcoolismo, ela se tornou musa de mesa de bar. Há quem peça "um mambo caliente" ao DJ até hoje...
- Ela é muito frágil, carente, descontrolada emocionalmente... Mesmo anos depois de a novela ter acabado, as pessoas falavam "Fulano está igual a Heleninha", colocavam cenas no YouTube... Amei fazê-la - comenta Renata.
Cássia Kiss, que viveu Leila, a assassina de Odete Roitman, também está feliz com a reprise:
- É muito bacana ver que as pessoas estão gostando de rever "Vale tudo". Quando a coisa é boa não tem isso de estar passando tarde.
Inesquecível, a banana que Marco Aurélio (Reginaldo Faria) dá para o Brasil ao fugir do país virou símbolo da descrença de uma geração.
- Meu personagem serviu como uma válvula de escape na sociedade. Aquela cena marcou a minha carreira. Emblemática e contundente - avalia o ator.
E hoje? Como uma novela assim se encaixa na sociedade? O estilista Carlos Tufvesson e seu companheiro, o arquiteto André Piva, veem um mundo "mais careta", mas muita coisa segue igual.
- "Vale tudo" mostra o Brasil daquela época, e vemos que não mudou nada. Naquele tempo dava revolta, agora dá depressão - diz o arquiteto.
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