Gloria Pires interpreta heroína alagoana da psiquiatria em filme que será lançado este ano
Ela nasceu em Maceió (1905), estudou no colégio Santíssimo Sacramento, foi uma das primeiras mulheres a se formar em Medicina (na Faculdade de Medicina da Bahia) e se tornou uma das heroínas da psiquiatria brasileira ao se negar a usar tratamentos agressivos (como o eletro-choque e a lobotomia) em pacientes com esquizofrenia e outros distúrbios – inovando com o uso de métodos hoje consagrados como a terapia ocupacional e o uso da arte para seus pacientes se expressarem, assim como outros métodos alternativos como o estímulo ao contato com animais domésticos para acalmar seus pacientes.
"Estamos todos apaixonados por ela”, disse a atriz Gloria Pires há dois anos, quando começou a estudar a vida da alagoana para interpretá-la no filme Nise da Silveira – A Senhora das Imagens. “Está sendo uma maravilha, um aprendizado, um sonho". Em entrevista para o canal Telecine (veja vídeo abaixo), a atriz também falou da emoção de filmar no local onde Nise trabalhou, o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, hoje Instituto Municipal Nise da Silveira, Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.
O filme se passa entre 1942 e 1944, período em que Nise chega ao Rio de Janeiro para trabalhar no hospital e é designada para cuidar da área de terapia ocupacional do centro psiquiátrico da unidade, transformando o setor. Os pacientes passam a ser tratados como “clientes” e a participar de atividades como jardinagem, teatro, dança e música. As chamadas oficinas de arte acabam se tornando ferramentas eficazes e fundamentais para a melhora significativa dos internos. “A partir desse momento, alguns desses esquizofrênicos embotados transformaram-se em grandes artistas. E, pela leitura que fazia dessas obras, Nise começou a penentrar no inconsciente deles. Este talvez tenha sido seu grande triunfo. O filme fala disso tudo”, comentou o diretor Roberto Berlinder.
Dirigido por Roberto Berliner, o filme está em fase final de edição e deve ser lançado ainda este ano. Além de Gloria Pires no papel principal, o elenco conta com a presença de atores como Flavio Bauraqui, Fabrício Boliveira, Julio Adrião, Felipe Rocha e Claudio Jaborandy.
Essa semana, a expectativa em torno do lançamento do filme aumentou ainda mais com a exibição no Rio de Janeiro e em São Paulo do documentário "Posfácio - Imagens do Inconsciente" por Eduardo Escorel, montado a partir da entrevista que o cineasta Leon Hirzman fez com a psiquiatra na década de 1980 durante as filmagens do documentário “Imagens do Inconsciente”.
Uma prova de que, quanto mais o tempo passa, o trabalho da alagoana - que se correspondia diretamente com o psiquiatra e psicoterapeuta suiço Carl Jung, de quem foi discípula – ganha cada vez mais força - assim como ocorreu com a obra do seu conterrâneo e ex-companheiro de prisão, Graciliano Ramos, que fez questão de descrevê-la em suas “Memórias do Cárcere”.
(Leia abaixo trecho do livro em que Graciliano descreve como foi apresentada à alagoana selecionado por Elvia Bezerra, coordenadora de Literatura do Instituto Moreira Salles)
"Numa passada larga, atingi o vão da janela: agarrei-me aos varões de ferro, olhei o exterior, zonzo, sem perceber direito por que me achava ali. Uma voz chegou-me, fraca, mas no primeiro instante não atinei com a pessoa que falava. Enxerguei o pátio, o vestíbulo, a escada já vista no dia anterior. No patamar, abaixo de meu observatório, uma cortina de lona ocultava a Praça Vermelha. Junto, à direita, além de uma grade larga, distingui afinal uma senhora pálida e magra, de olhos fixos, arregalados. O rosto moço revelava fadiga, aos cabelos negros misturavam-se alguns fios grisalhos. Referiu-se a Maceió, apresentou-se:
– Nise da Silveira.
Noutro lugar o encontro me daria prazer. O que senti foi surpresa, lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-a culta e boa, Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a escusar-se de tomar espaço. Nunca me havia aparecido criatura mais simpática. O marido, também médico, era o meu velho conhecido Mário Magalhães. Pedi notícias dele: estava em liberdade. E calei-me, em vivo constrangimento.
De pijama, sem sapatos, seguro à verga preta, achei-me ridículo e vazio; certamente causava impressão muito infeliz. Nise, acanhada, tinha um sorriso doce, fitava-me os bugalhos enormes, e isto me agravava a perturbação, magnetizava-me. Balbuciou imprecisões, guardou silêncio, provavelmente se arrependeu de me haver convidado para deixar-me assim confuso."
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