'O meu 2012 está completo' disse Gloria Pires antes de partir de Lisboa

'O meu 2012 está completo'
por Paula Cardoso



Contra-relógio arranca às 11 horas. Pontual, Glória Pires chega sem um minuto a perder, já às voltas com o horário do próximo voo, reservado para depois do almoço. O ritmo acelerado mantém-se desde que aterrou em Lisboa, na véspera – para a inauguração da sede portuguesa da TV Globo – mas logo às primeiras palavras o jeito pausado da actriz brasileira neutraliza qualquer toada mais apressada.
Como quem tem todo o tempo do mundo, Glorinha, nome de afectos, sugere enquadramentos para as fotografias e partilha impressões de uma longa experiência de flashes. «É melhor fazer a foto antes; né? A gente falando fica meio esquisito». A entrevista começa pouco depois e, ainda antes de mais uma partida de Lisboa, a actriz confidencia a vontade de um novo regresso. Agora como convidada do remake luso de Dancin’ Days, a novela que projectou a sua carreira para o estrelato.

Estreou-se pela mão do seu pai, que era humorista. Também fez força para as suas filhas começarem a representar?
Não, nada. No caso da Cléo [do primeiro casamento com o ex-galã Fábio_Júnior], lembro que durante a adolescência ela dizia que não queria ser actriz, queria ser cantora. Na época ela estava na escola americana e chegou até a cantar na banda da escola. Então quando ela chegou em casa e disse que faria um filme foi uma surpresa para a gente. Já a Antônia, não. Sempre foi actriz, desde que começou a falar e a andar.


Já consegue controlar as lágrimas quando vê a Cléo na televisão?
Às vezes ainda não. E mesmo só de vê-la numa capa de revista eu me emociono.


É muito mãe-coruja?
Não acho que seja coruja, acho é que é uma alegria muito grande, um orgulho ver um filho feliz na carreira que escolheu.


Tendo sido criada no meio artístico, quase sempre sob os holofotes da fama, foi complicado crescer com os pés na terra?
Não foi complicado porque como meu pai era actor eu cresci vendo um lado dessa profissão que não é o mesmo que em geral as pessoas vêem. É um lado de trabalho duro mesmo. E o meu pai e a minha mãe sempre foram pessoas extremamente realistas, pé no chão total, nunca incentivaram nenhum tipo de endeusamento, glamorização, nem nada disso. Por mais que eles fossem pais e ficassem orgulhosos e felizes sempre nos orientaram muito – a mim e à minha irmã – nesse sentido de ver a vida real e de preservar a nossa intimidade. Mesmo com amigos, meus pais nos ensinaram que não é tudo que se fala, não é tudo que se expõe, a gente precisa ter coisas nossas.


Consegue manter essa privacidade, sendo uma figura tão popular?
Com certeza. Na vida temos de saber até onde podemos ir porque depois que você abre a porteira não tem como recolher o gado.


Ainda se lembra da primeira entrevista que deu?
Lembro. Tinha uns oito, nove anos. Foi para a revista Amiga, que não existe mais, e Lúcia Leme era a repórter. Perguntavam como era a minha vida, como eu conciliava a vida escolar com o trabalho, se alguém me ajudava a decorar. Como eu fazia ballet na época focaram isso também, que estava me preparando para ser actriz, que estava estudando canto.


Foi por causa dessa projecção precoce que começou a ter problemas de bullying na escola?
Foi justamente por isso. Na altura tinha 11 anos e nem era conhecida. Fazia participações em programas humorísticos e em novelas, sempre papéis pequenos, mas a dona da turma se sentiu agredida e ameaçada pelo facto de eu aparecer na TV e ser actriz.


Chegou a sofrer agressões físicas?
Não era uma coisa directa. Ela era a mentora e a mais velha da turma porque já tinha repetido dois ou três anos. Como a mãe dela trabalhava na escola num cargo burocrata, ela tinha acesso aos professores e aos alunos, tanto as meninas como os meninos, porque ela jogava futebol. Então ela transitava nos ambientes com muita facilidade e armava muito, envenenava as pessoas contra mim.


Como ultrapassou esse momento?
Graças a Louise Cardoso, a actriz, que na época era professora de teatro da nossa turma. Ela já trabalhava em cinema e teatro e também dava aula no Tablado [Teatro], e foi com essa experiência teatral que percebeu, durante uma aula, todo esse jogo, que eu não falava e porque é que eu não falava. Só em casa eu dizia que não queria ir mais para a aula, que estava um inferno. Na escola não tinha essa oportunidade e Louise Cardoso percebeu. E aí o assunto acabou na direcção. No final ela se demitiu da escola e por isso é que ela é a madrinha da Antônia [risos].


Ela saiu e você continuou?
É, acontece que no ano seguinte a escola também se mudou para outro prédio e essa menina não estava lá mais. Aí a vida foi normal.

Pouco depois despontava como estrela-revelação em Dancin’ Days. Mas antes do sucesso esteve quase a desistir por ter sido preterida para um papel por não ter a imagem certa. Foi difícil lidar com essa rejeição?
Foi muito difícil porque quando a gente é criança fantasia, tem toda uma ideia sobre as coisas. Quando não dá certo é uma coisa inconcebível. Então esse foi um período longo mas aproveitei para fazer outras coisas: fui trabalhar na linha de show com o meu pai e com o Chico Anísio e vivi uma experiência maravilhosa. Aprendi muito e depois voltei para as novelas.


Descobriu o sucesso aos 14 anos e antes dos 20 anos já era conhecida na Globo por 'vovó Glorinha'. Como surgiu essa alcunha?
Ganhei esse apelido do Laurinho Corona, que conheci em Dancin’ Days e com quem tive uma empatia instantânea. A gente ficou muito ligado e depois quando a novela acabou continuámos sendo amigos, nos encontrávamos, saíamos, viajávamos e foi nessa convivência que o Laurinho me colocou esse apelido de vovó Glorinha.


Pela sua calma?
É. Ele dizia que eu tinha muita sabedoria e até tinha uma imagem: enquanto a gente está saindo, correndo, tropeçando, caindo atabalhoado, lá vem a vovó Glorinha na charretinha dela, passa e recolhe todo o mundo.


Nunca se desviou dessa imagem?
Claro que tive a minha época de sair, de badalar, de curtir, mas sempre fui uma menina calma.


Aquando da promoção do livro 40 anos de Glória, lançado no ano passado para assinalar as suas quatro décadas de carreira, surgiram notícias de que experimentou drogas.
Não. Deve ser daquelas coisas que a gente não fala mas as pessoas colocam.


Então é falso?
Totalmente falso. É uma biografia profissional e por isso mesmo limitada à minha carreira, não é o que as pessoas imaginaram ou criaram a partir da minha acção.


As suas últimas cenas passaram na novela Insensato Coração, actualmente em transmissão em Portugal. Já está a trabalhar noutro projecto?
Na verdade o meu 2012 já está completo, com três filmes e o remake da novela Guerra dos Sexos, do Sílvio de Abreu.


Que filmes são esses?
O primeiro é sobre Nise da Silveira, uma psiquiatra brasileira que morreu com 100 anos e que, nos anos 40, revolucionou o tratamento dos esquizofrénicos através da introdução no Brasil dos conhecimentos que ela tinha recebido do [Carl Gustav] Jung. Naquela altura em que só havia três tratamentos – o electrochoque, o choque de insulina e a lobotomia – Nise trouxe a possibilidade de expressão não com palavras, mas através da arte, com formas e cores. Então o primeiro filme é esse, volto agora para o Brasil e faço a preparação, as entrevistas, os ensaios, as palestras para a gente começar a rodar em Janeiro. Depois entre Março e Abril devemos começar a Arte de Perder e não sei se um terceiro filme, que é O Santo e o Dragão, que começámos a rodar em Paris, será finalizado ainda nesse intervalo antes da próxima novela.


Fala-se também de uma participação sua no remake luso de Dancin’ Days. Foi abordada nesse sentido?
Imagina, só fiquei sabendo do remake quando cheguei a Portugal. Foi uma novela tão especial para mim que fazer essa participação especial seria o máximo. Quem sabe?


Fonte:
Sol.pt

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