Bruno Barreto volta aos anos 50 para tratar de perdas em 'Flores Raras'
Roberta Pennafort / RIO
Fonte:
Estadão
Tarde em Copacabana. Numa ruazinha transversal à praia, quatro carros dos anos 50 enfileirados junto à calçada chamam a atenção para um prédio de fachada art déco. Quem passa saca o celular para fotografar os automóveis, todos muito bem conservados. Da janela, velhinhas observam o vaivém de técnicos, produtores e figurantes.
O frisson aumenta quando Gloria Pires sai de um dos dois trailers camarins estacionados logo adiante. Cabelos em coque, conjunto safári creme e lenço no pescoço, ela está vestida de Lota de Macedo Soares (1910-1967), protagonista, com a poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979), do novo filme de Bruno Barreto, 95% falado em inglês, o idioma entre as duas.
O título atual é Flores Raras, mas o diretor preferia A Arte de Perder. Ambos são extraídos de poemas da escritora, que veio ao Brasil a turismo em 1951 para passar poucos dias e acabou vivendo por aqui 15 anos de amor - entre Rio, Petrópolis e Ouro Preto, que viraram locações do filme.
"As pessoas acham que ninguém vai querer ver um filme sobre perda. Espero que consiga convencer os distribuidores", conta Bruno, para quem Flores Raras remete a livros de botânica. "Acho que todo mundo lida com perdas. Essa é a questão central do filme, não estamos fazendo uma cinebiografia."
A ideia é fazer com que as fragilidades das duas personagens fiquem nítidas na tela. Quando se conhecem, em Nova York, Lota é a centrada, extrovertida, empreendedora, provedora, controladora. Mas a mulher que projetaria o Parque do Flamengo, obra fundamental na história urbana do Rio, acaba perdendo a saúde (tem uma arteriosclerose precoce), a sanidade e a vida (se mata em 1967, já sem seu amor).
Por outro lado, Elizabeth, alcoólatra, frágil, tímida, de trajetória errante pelo mundo e bagagem familiar pesada (perdeu o pai criança, a mãe foi internada num manicômio), ela, sim, uma suicida em potencial, sobrevive por conseguir lidar melhor com suas dores, na leitura do diretor. É no Brasil, com Lota, que ela vive pela primeira vez na vida uma certa estabilidade emocional e financeira.
Em Copacabana, a cena era simples: Lota e Elizabeth, vivida pela atriz australiana Miranda Otto, conhecida pelo blockbuster O Senhor dos Anéis, chegam de jaguar à garagem do prédio em que moram. Em seguida, um figurante fortão traz Elizabeth nos braços, de porre, e a entrega a Lota.
É uma fase já de desmoronamento da relação das duas: de volta da casa em que viviam na Serra Fluminense, onde ambas desfrutavam de liberdade e experimentaram uma explosão criativa, chegam a um bairro populoso e cheio de bares, um campo minado para Elizabeth, que se sentia negligenciada por conta da grande dedicação ao trabalho da companheira.
"As duas eram de personalidade muito forte e complementar, e tinham uma vida reservada. Lota não usufruiu da celebrização que adquiriu com o Parque do Flamengo, porque, pelo fato de ser homossexual, queria ter a sua privacidade", avalia Gloria, que se enterneceu pelo papel quando filmava O Quatrilho (1994), de Fábio Barreto, irmão de Bruno. Bastou ler Flores Raras e Banalíssimas (Rocco), de Carmen de Oliveira, sobre o casal.
A produtora Lucy Barreto, mãe dos dois, comprou os direitos sobre o livro em 1997. De lá para cá, foram muitas as dificuldades para se conseguir patrocínio. Até este momento, por conta da questão homossexual, não apareceram muitos interessados, apesar de se tratar de um diretor de filme indicado para o Oscar (O Que É Isso, Companheiro?, de 1997) e dono da segunda maior bilheteria do cinema brasileiro (Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1978), e de uma atriz que levou 10 milhões de pessoas aos cinemas com os dois Se Eu Fosse Você.
"Isso é surreal", diz Gloria. "As leis de patrocínio precisavam ser revistas. O Estado tinha que arrumar uma forma de produzir filmes relevantes para a história do País." O orçamento é de R$ 13 milhões e já foram captados R$ 9 milhões, nenhum centavo com patrocinadores privados.
"A homossexualidade é uma questão muito íntima, e talvez a feminina seja mais difícil de a sociedade aceitar, porque se espera da mulher, mais do que do homem, um comportamento segundo a ‘moral e os bons costumes’. O Segredo de Brokeback Mountain não chocou tanto", analisa o diretor.
Bruno entrou no projeto em 2004, ao ver a poetisa ser interpretada por sua ex-mulher, Amy Irving, num teatro de Nova York. Era a peça Um Porto para Elizabeth Bishop, de Marta Góes, sucesso no Brasil com Regina Braga. Ele quer estrear o filme no próximo festival de Berlim, em fevereiro de 2013.
Fonte:
Estadão
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