Gloria Pires, uma atriz sem medo de encarar um personagem

Em "Insensato Coração", mais uma vez ela se despe da vaidade em nome da atuação

Lufe Steffen, especial para o iG

O clima está esquentando em "Insensato Coração". A protagonista Norma, antes uma humilde e tranquila enfermeira, caminha para uma transformação radical - será uma vilã impiedosa, disposta a tudo para se vingar de Léo (Gabriel Braga Nunes). Sua próxima medida será cuidar de assassinar Araci (Cristiana Oliveira), sua colega de presídio. Mas a metamorfose de Norma não seria tão bem-sucedida se a personagem não estivesse em poder de Gloria Pires.
Como a grande atriz que é, uma das características de Glória é descartar a vaidade e mergulhar na criação do personagem, incluindo desmontar sua própria imagem - uma atitude rara, principalmente entre as atrizes inexperientes da nova geração.
Gloria é uma atriz consagrada, que vem mostrando sua entrega e verdade em inúmeros trabalhos na TV e no cinema - nunca no teatro. A opção por personagens densos, malditos e marginais, o que muitas vezes inclui transformações físicas, sempre foi um prato cheio para astros de Hollywood, que adoram se metamorfosear física e emocionalmente para alcançar grandes interpretações. O Oscar adora premiar esse tipo de dedicação com um prêmio de interpretação, como aconteceu com Charlize Theron em "Monster - Desejo Assassino", de 2003, quando faturou o Oscar de Melhor Atriz.

As "Feias" de Glória
Foram várias as ocasiões em que Glória Pires aceitou "ficar feia" para compôr um tipo. A primeira vez foi em 1980, na novela "As Três Marias". A atriz surgiu na telinha com os cabelos curtos, no estilo "joãozinho", e usando óculos de grau. A Maria José de Glória era uma espécie de "patinho feio", completando o trio do título, formado ainda pelas beldades Maitê Proença e Nádia Lippi.

Em "Memorial de Maria Moura", Glória interpretou a líder de um bando de pistoleiros

Na minissérie "Memorial de Maria Moura" (1994), a atriz interpretou a personagem-título: uma mulher forte e masculinizada, que se torna líder de um grupo de bandoleiros no sertão nordestino, no século XIX. Glória adotou uma imagem rude e viril, vestindo roupas masculinas, montando a cavalo, disparando tiros, e com os cabelos sempre presos e cobertos por um turbante - somente ao se apaixonar por Cirilo (Marcos Palmeira), Maria Moura se expõe, solta os cabelos e resgata sua feminilidade.
Em "O Rei do Gado" (96/97), Glória foi Rafaela, que se infiltra na fazenda de Jeremias Berdinazzi (Raul Cortez), dizendo-se sobrinha dele. O visual de Glória na novela foi bastante criticado na época - dizia-se que ela foi prejudicada por um estranho e assexuado corte de cabelo. Sua personagem terminou um tanto apagada na trama - embora a atriz tenha defendido Rafaela até o fim, com uma atuação eficiente.
Atualmente, em "Insensato Coração", a atriz mostra novamente sua entrega. Depois de ter sido presa, Norma foi se envolvendo no cotidiano da cadeia, e se tornando mais rude e brutalizada. Em breve, a personagem deve ser libertada, e aí chega uma nova metamorfose: Norma se casará com Teodoro (Tarcísio Meira) e vai virar uma mulher fina e sofisticada.

Papéis Marcantes
Sônia Braga e Glória Pires: mãe e filha em "Dancin Days" (78/79)

Mas nem só de personagens "feias" vive o sucesso de Glória. A atriz sempre buscou papéis difíceis e complexos. O primeiro deles foi a rebelde e mimada adolescente Marisa, de "Dancin' Days" (78/79). Com apenas 14 anos, Glória passou por diversos testes, até ser escolhida para interpretar a filha da ex-presidiária Júlia Matos (Sônia Braga). A atriz completou 15 anos durante a novela, e Marisa tornou-se sua primeira personagem de sucesso.
Dez anos depois, Glória ganhou outro clássico de sua carreira: Maria de Fátima, a inescrupulosa filha de Raquel (Regina Duarte) em "Vale Tudo" (88/89, atualmente em reprise no Canal Viva). Há quem aponte a vilã Maria de Fátima como o melhor momento da carreira da atriz.

Glória Pires e Regina Duarte: filha e mãe em "Vale Tudo" (88/89)

Glória Pires (como Nice) e Cláudio Corrêa e Castro em "Anjo Mau"
Em 1993, ela aceitou atuar em dose dupla no remake "Mulheres de Areia", encarnando as gêmeas Ruth (a boa) e Raquel (a má). Glória atualizou as personagens originalmente interpretadas por Eva Wilma, e dominou a novela.
Em 1997, novo remake: "Anjo Mau", com Glória interpretando a terrível babá Nice, papel defendido por Susana Vieira na versão original da novela.
Mais recentemente, ela foi a Júlia de "Belíssima" (2005/06), de Sílvio de Abreu, e protagonizou grandes cenas ao lado de Tony Ramos, Pedro Paulo Rangel e Fernanda Montenegro.
Aos 47 anos, Glória mantém acesa sua vontade de atuar em projetos desafiadores, como a atual Norma de "Insensato Coração", ou a inesquecível Ana Terra da minissérie "O Tempo e o Vento" (85), baseada na obra de Érico Veríssimo. Como a própria atriz contou na biografia "40 Anos de Glória", lançada em 2010, ela teve de convencer a direção da TV Globo de que era capaz de interpretar a personagem, e chegou a conciliar as gravações da série, no sul do Brasil, com a novela "Partido Alto" (84), na qual também atuava.
O resultado valeu a pena, e aos 23 anos Glória entrava de vez para o time dos grandes atores da Globo - pódio no qual está até hoje.

Glória Pires e Pedro Paulo Rangel em "Belíssima"


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